quarta-feira, 18 de maio de 2011

Erro de português não existe


Uma interessante reflexão sobre nossa língua:

Erro de português não existe

A Gramática Tradicional abarca um conjunto de noções acerca da língua e da linguagem que representou o início dos estudos linguísticos no Ocidente.

Ela é dotada de regras e normas que se sustentam até hoje em nomenclatura e definições estruturalistas da língua. Historicamente se constituiu com base em preconceitos sociais que revelam o tipo produto intelectual de uma sociedade aristocrática, escravagista, oligárquica, fortemente hierarquizada quando adotou como modelo de língua “exemplar” o uso característico de um grupo restrito de falantes: do sexo masculino; livres (não escravos); membros da elite cultural (letrados); cidadãos (eleitores e elegíveis); membros da aristocracia política; detentores da riqueza econômica.

Com isso, passa a ser visto como erro todo e qualquer uso que escape desse modelo idealizado, toda e qualquer opção que esteja distante da linguagem literária consagrada; toda pronúncia, todo vocabulário e toda sintaxe que revelem a origem social desprestigiada do falante; tudo o que não conste dos usos das classes sociais letradas urbanas com acesso à escolarização formal e à cultura legitimada. Assim, fica excluída do “bem falar” a imensa maioria das pessoas - um tipo de exclusão que se perpetua em boa medida até a atualidade.

O processo de normatização, ou padronização, retira a língua de sua realidade social, complexa e dinâmica, para transformá-la num objeto externo aos falantes, numa entidade com “vida própria”, (supostamente) independente dos seres humanos que a falam, escrevem, leem e interagem por meio dela.

Isso torna possível falar de “atentado contra o idioma”, de “pecado contra a língua”, de “atropelar a gramática” ou “tropeçar” no uso do vernáculo. Todo esse discurso dá a entender (enganosamente) que a língua está fora de nós, é um objeto externo, alguma coisa que não nos pertence e que, para piorar, é de difícil acesso.

Em contraposição à noção de “erro”, e à “tradição da queixa” derivada dela, a ciência linguística oferece os conceitos de variação e mudança. Enquanto a Gramática Tradicional tenta definir a “língua” como uma entidade abstrata e homogênea, a Linguística concebe a língua como uma realidade intrinsecamente heterogênea, variável, mutante, em estreito vínculo com a realidade social e com os usos que dela fazem os seus falantes. Uma sociedade extremamente dinâmica e multifacetada só pode apresentar uma língua igualmente dinâmica e multifacetada.

Ao contrário da Gramática Tradicional, que afirma que existe apenas uma forma certa de dizer as coisas, a Linguística demonstra que todas as formas de expressão verbal têm organização gramatical, seguem regras e têm uma lógica linguística perfeitamente demonstrável. Ou seja: nada na língua é por acaso.

(Marcos Bagno - Revista EDUCAÇÃO, n. 26 - julho de 1999

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